Segunda-feira, 31 de Janeiro de 2005
A Base III do acordo ortográfico não altera nada. Por isso, passamos à base seguinte, que contém matéria para muita discussão e estabelece regras de pôr em pé os cabelos a pessoas pouco amigas de mudanças.
A Base IV começa por tratar das sequências cc, como em friccionar, cç como em ficção, ct como em pacto, pç como em opção e pt como em apto.
Em todos os exemplos a primeira consoante pronuncia-se em todas as pronúncias cultas da língua e, por isso, conserva-se. Aliás, nem de outra maneira poderia ser.
Há casos em que a primeira consoante não se pronuncia em nenhuma pronúncia culta da língua portuguesa. Nesse caso, essa segunda consoante é sempre eliminada. Assim, depois de entrar em vigor o acordo ortográfico, passaremos a escrever em Portugal acionar, ação, diretor, objeção e batismo. No Brasil não existe mudança já que há décadas se usam essas grafias.
É melhor parar aqui porque o que fica escrito já é de tirar a vontade de viver a muita gente.
Quarta-feira, 26 de Janeiro de 2005
Sabia que já se escreveu hombro? Não tinha qualquer base etimológica porque a palavra vem do latim umeru. Há pessoas que, sem necessidade, complicam a língua. Então não é que houve no passado pessoas que puseram um H no início da palavra é?
O H é uma letra bem esquisita. Caiu em espanhol, que vem do latim hispaniolu. Também caiu em erva mas mantém-se em herbáceo. Permanece em palavras derivadas do latim por via culta ou erudita, o que é uma coisa que pouco interessa ao utilizador normal da língua e leva a faltas de lógica como é existirem com o mesmo significado as palavras ervanário e herbanário.
Numa rádio local foi há anos dito que o saramago é uma erva herbácea. A frase é tola, mas mostra bem as incoerências do uso do H no princípio de palavras.
Quase de certeza o H se continuará a usar no início de muita palavra portuguesa ao longo dos séculos. Não há coragem nem vontade para o eliminar.
Os italianos escrevem umanità (humanidade), umore (humor), uomo (homem), omocida (homicida) e igiene (higiene). Em italiano muito poucas palavras começam por H e são todas ou quase todas de origem estrangeira. Se o português seguisse pelo mesmo caminho, talvez estranhássemos a princípio, mas, passado pouco tempo, não sentiríamos nenhuma falta. Se o H é desnecessário em desumano, não pode ser eliminado em humano? Faz alguma falta em espanhol? Alguém gostaria que se voltasse a escrever hespanhol?
Imaginem que alguém propunha a eliminação do H inicial. Cairia o Carmo e a Trindade. As pequenas alterações introduzidas pelo acordo ortográfico provocaram reacções violentas. Até houve quem, muito a sério, invocasse a constituição por achar que a ortografia faz parte do património da nação. Santo Deus! Acham que a constituição se deve preocupar com assuntos como a ortografia?
Os brasileiros eliminaram certas consoantes surdas em palavras como baptismo ou actor, mas relativamente ao H inicial têm sido atentos, veneradores e obrigados. Que eu saiba, nesse aspecto só diferem de Portugal na palavra húmido e seus derivados. No outro lado do Atlântico escrevem úmido, umidade, umidificar, etc mas escrevem, como nós, hora, horta, hemisfério e hélio.
O H inicial permanece intocável. Faz lembrar as vacas sagradas da Índia. Como são sagradas, não podem ser incomodadas mesmo que se deitem na rua e obstruam o trânsito.
Terça-feira, 18 de Janeiro de 2005
O significado da palavra bilião e seus equivalentes noutras línguas depende do país. Em Portugal, Reino Unido, Alemanha e países de língua espanhola bilião é de um milhão de milhões, ou seja 1 seguido de doze zeros. Nos Estados Unidos, no Brasil e noutros países é mil milhões, 1 seguido de nove zeros.
Na IX Conferência Internacional do Sistema Internacional de Pesos e Medidas, que se realizou em Paris em 1949, foi unanimente aceite, que um bilião é um milhão de milhões, um trilião um milhão de biliões, etc. No entanto, nos Estados Unidos, no Brasil e noutros países não foi posta em prática essa resolução e continua bilião a significar mil milhões, trilião um milhão de milhões, etc.
Nos países, como Portugal, que adoptaram a decisão da referida conferência internacional, usa-se a regra dos 6N, da qual resulta:
Bilião: 1 seguido de 6.2 = 12 zeros
Trilião: 1 seguido de 6.3 = 18 zeros
Quadrilião: 1 seguido de 6.4 = 24 zeros
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Centilião: 1 seguido 6.100 = 600 zeros
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Nos outros países a regra é a dos 3.(N+1), da qual resulta:
Bilião: 1 seguido 3.(2+1) = 9 zeros
Trilião: 1 seguido de 3.(3+1) = 12 zeros
Quadrilião: 1 seguido de 3.(4+1) = 15 zeros
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Centilião: 1 seguido 3.(100+1)= 303 zeros
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Bilhão significa o mesmo que bilião. Era a forma recomendada por Cândido de Figueiredo, um grande linguista do começo do século XX. Essa grafia não vingou em Portugal, mas é habitual no Brasil. Os derivados de bilhão são os mesmos de bilião bilionésimo, bilionário, etc. Trilhão, quadrilhão, etc. são sinónimos de trilião, quadrilião, etc.
Não diga que a China tem mais de um bilião de habitantes, mas sim que tem uma população de mais de mil milhões.
Terça-feira, 11 de Janeiro de 2005
A Base II do acordo ortográfico chama-se Do h inicial e final. Trata do uso da letra h fora dos dígrafos ch, lh e nh.
Diz o acordo que o h inicial emprega-se:
a) Por força da etimologia em palavras como haver, do latim habere, ou homem, do latim homine
b) Sem qualquer razão etimológica, por simples convenção: hã?, hem?, hum!.
Há palavras que, se atendêssemos à sua etimologia, começariam por h, mas a supressão desta letra vem de há muito tempo. É o caso de erva, do latim herba, e seus derivados: ervaçal, ervanário, ervoso. Mantém-se a supressão com o acordo ortográfico. Era só que faltava escrever tais palavras com um h no início!
Da mesma raiz latina que erva temos herbáceo, herbanário, herboso. Trata-se de formas de origem erudita que mantêm o h.
Que alterações introduz a Base II? Nenhumas para alegria dos conservadores ortográficos.
Voltaremos ao h. Há muita coisa interessante a dizer sobre essa estranha letra.
Terça-feira, 4 de Janeiro de 2005
O acordo ortográfico estabelece na sua Base I regras para nomes hebraicos da tradição bíblica terminados em ch, ph e th, como Baruch, Loth, Moloch e Ziph. Diz o acordo que os dígrafos finais destes nomes - ch, ph e th - podem conservar-se ou simplificar-se: Baruc, Lot, Moloc, Zif. Como resultado temos mais algumas grafias alternativas. Pode, no entanto, perguntar-se se se justifica a manutenção duma grafia como Ziph. Será que alguém ainda a usa?
Recorde-se que dígrafo é um conjunto de duas letras que representam um único som.
Diz mais o acordo que, se qualquer um destes dígrafos em formas do mesmo tipo é invariavelmente mudo, elimina-se: José, Nazaré, em vez de Joseph, Nazareth; e, se algum deles, por força do uso, permite adaptação, substitui-se, recebendo uma adição vocálica: Judite, em vez de Judith. O comentário que apetece fazer é que esta regra parece desnecessária, pois há muitos, muitos anos escrevemos José, Nazaré e Judite. Já quase se perdeu a noção de estes nomes provirem da Bíblia.
Com este artigo termina a análise da Base I do acordo ortográfico. Vejamos os seus pontos mais importantes:
-Constituição do alfabeto português
-Casos em que se usam as letras K, W e Y
-Regras para a formação de vocábulos derivados de nomes próprios estrangeiros
-Regras referentes a nomes bíblicos
-Recomendações quanto ao aportuguesamento de nomes de topónimos (nomes de locais) estrangeiros.