Quarta-feira, 29 de Dezembro de 2004
Diz o acordo ortográfico, ainda na Base I, que os vocabulários autorizados registarão grafias alternativas admissíveis de certas palavras com origem em nomes próprios estrangeiros, dando como exemplo de fúcsia/fúchsia e derivados e buganvília/buganvílea/bougainvíllea.
Portanto, temos uma planta com um nome que se pode escrever de duas maneiras - fúcsia e fúchsia. A última grafia vem do nome do botânico alemão Leonhard Fuchs.
Já tratámos das palavras derivadas de nomes próprios estrangeiros. Têm uma terminação portuguesa e uma raiz estrangeira, que pode ter uma ortografia estranha à língua portuguesa. Serve de exemplo wronskiano, relativo a Wronski, matemático polaco e também nome dum conceito a ele devido.
A palavra fúchsia segue até certo ponto a regra de formação de vocábulos derivados de nomes próprios estrangeiros. Dizemos até certo ponto por causa do acento circunflexo.
O nome alemão Fuchs pronuncia-se em fukç. Essa a razão da grafia fúcsia.
Além das grafias alternativas fúcsia/fúchsia são permitidas fucsita/fuchsita, fucsite/fuchsite e fucsina/fuchsina.
A grafia bougainvíllea tem a sua origem em Louis Antoine Bougainville. Buganvília e buganvílea são alternativas admissíveis resultantes do aportuguesamento da raiz francesa.
Seria mesmo necessário manter ortografias como fúcshia ou bouganvíllea? É muito duvidoso.
Fixemos este ponto - o acordo permite grafias alternativas. Já tínhamos visto Jacob/Jacó, Job/Jó, David/Davi. Agora surgiram outras. Trata-se dum assunto para uma interessante discussão.
Quarta-feira, 22 de Dezembro de 2004
Há vários nomes bíblicos terminados em b, c, d, g e t - Jacob, Job, Moab, Isaac, David, Gad, Gog, Magog, Bensabat, Josafat. Nalguns, como Job e Jacob, a consoante final nunca se lê. Noutros, como Moab e Isaac, lê-se sempre. Em David lê-se umas vezes e outras não.
O acordo fala também doutras palavras com terminações semelhantes - Cid, em que o d é sempre pronunciado; Madrid e Valhadolid, em que o d ora é pronunciado, ora não; e Calecut ou Calicut, em que o t se encontra nas mesmas condições.
Diz o acordo ortográfico na sua Base I que em tais nomes a consoante final se mantém, seja ou não lida. No entanto, diz também que se pode omitir. Claro que só pode ser omitida se não for pronunciada. Será, portanto, autorizado escrever Jó, Davi, Jacó, Madri, Valhadoli.
As formas Jó e Jacó indisporão muita gente, mas qual é a justificação para se escrever uma consoante final que não se lê? Quase de certeza houve pessoas habituadas à ortografia Nazareth que ficaram incomodadas com Nazaré. Qualquer alteração, por lógica que seja, cria críticas e resistências.
Em Portugal quando o acordo entrar em vigor serão permitidas as ortografias David e Davi. Quem não pronuncia o d final, pode escrever Davi. Quem pronuncia esse d, escreve David. David é uma variante de Davi e vice-versa. O mesmo se pode dizer de Madrid e Madri. É lógico, não é? Veremos mais tarde que já temos muitos casos de ortografias duplas.
Autor do artigo: João Manuel Maia Alves
Quinta-feira, 16 de Dezembro de 2004
Continuemos com a discussão do acordo ortográfico.
Recomenda o acordo na sua Base I que os topónimos (nome de lugares) de línguas estrangeiras se substituam, tanto quanto possível, por formas portuguesas quando estas sejam antigas e ainda vivas ou quando entrem, ou possam entrar, no uso corrente. O texto do acordo dá os seguintes exemplos: Anvers, substituído por Antuérpia; Cherbourg, por Cherburgo; Garonne, por Garona; Genève, por Genebra; Jutland, por Jutlândia; Milano, por Milão; München, por Munique; Torino, por Turim; Zürich, por Zurique.
Trata-se duma recomendação. Se alguém escrever, por exemplo, Genève em vez de Genebra, não se poderá dizer que cometeu um erro. No entanto, é difícil de perceber que pessoas cultas usem Genève quando temos a forma portuguesa antiga Genebra e porque a cidade tem, pelo menos, três nomes na Suíça, país a que pertence. Esses três nomes são Genève em francês, Genf em alemão e Ginebra em italiano. Como a Suíça tem outra língua oficial além do francês, do alemão e do italiano, se calhar, a cidade ainda tem mais um nome no país a que pertence.
Existem algumas divergências entre os vários países de língua portuguesa no aportuguesamento de nomes de países e cidades de outras línguas. Aqui vão alguns exemplos:
1) Em Angola e penso que também noutros países de língua portuguesa da África Ocidental a Costa do Marfim é comummente designada pelo seu nome em francês, ou seja Côte d’ Ivoire, sendo os seus habitantes chamados ivornianos
2) No Brasil a capital da Rússia é conhecida por Moscou, nome que, como vimos num dos artigos da série “Viagem a 1929”, já se usou em Portugal
3) Em Moçambique a Tanzânia é quase sempre designada por Tanzania, com acento tónico no i
4) Médio Oriente é Oriente Médio no Brasil
5) No Brasil Iugoslávia é forma preferida relativamente a Jugoslávia; praticamente desapareceu a primeira forma em Portugal, onde, como vimos, era usada em 1929
6) No Brasil usam Irã, ao passo que nós temos Irão; li a afirmação dum linguísta brasileiro de que Portugal deixou de usar Irã para passar a Irão, introduzindo dessa maneira uma divergência
7) No Brasil escrevem Nova York; em Portugal esta forma também se usa, mas Nova Iorque é mais vulgar
8) Havai é no Brasil Havaí com acento no i
9) No Brasil escrevem Los Ângeles, o que corresponde à pronúncia que se ouve em Portugal, mas os portugueses não colocam nenhum acento na segunda palavra do nome da cidade.
Nos dois artigos da série “Viagem a 1929” vimos algumas destas divergências, além de outras que aqui não mencionamos.
Não exageremos estas divergências. Elas existem, mas na grande maioria dos nomes de outras línguas de países e cidades que têm formas portuguesas não existe diferença entre os países lusófonos. Em todos London é Londres, La Habana, capital de Cuba, é chamada Havana, etc.
Nunca deverá existir total convergência nesta questão do aportuguesamento de topónimos de língua estrangeiras. Por exemplo, no caso do nome da capital da Rússia, os portugueses trocaram Moscou por Moscovo. Por que razão haveriam os brasileiros de abandonar esta forma que nós pusemos de lado? Certamente vão continuar a dizer e escrever Moscou.
Nalguns ou em todos os países africanos de língua oficial portuguesa há nomes de localidades que pertencem a línguas africanas. Não é fácil aportuguesar alguns. É o caso de Chókwè em Moçambique. Por outro lado, há o desejo de dar importância às línguas africanas; por isso, há topónimos escritos nesses países com a ortografia dos idiomas a que pertencem. É assim que em Angola vemos a palavra Kwanza, que nos tempos antes da independência de Angola, aprendemos em Portugal a escrever Cuanza, forma que se pode ler na imprensa portuguesa.
É assunto interessante este do aportuguesamento de topónimos de línguas estrangeiros. São quase inevitáveis algumas divergências, mas não são muito numerosas. O acordo estabelece muitas regras a seguir, mas neste ponto, sensatamente, ficou-se por recomendações.
Terça-feira, 7 de Dezembro de 2004
A palavra “carrasco” designava a pessoa que executava condenados à pena de morte. São seus sinónimos “algoz”, “verdugo” e “executor”.
Antes do século XV segundo uns, antes do século XVII segundo outros, viveu em Lisboa um homem chamado Belchior Nunes Carrasco que, em nome da lei, executava pessoas condenadas à pena capital. Com o tempo passou-se a designar por “carrasco” a pessoa que desempenhava as funções que tinham pertencido a Belchior Nunes Carrasco.
“Carrasco” usa-se muitas vezes em sentido figurado, significando homem cruel ou desumano, tirano, pessoas enérgica e disciplinadora. No futebol não é invulgar o seu uso em frases como “A Grécia foi o carrasco das esperanças portuguesas na conquista do Euro 2004”.
A palavra “carrasco” começou por ser um apelido, que uma consulta à lista telefónica mostra ser usado ainda hoje. Depois foi o nome da função que tinha sido desempenhada por um indivíduo com esse apelido. Subsequentemente o seu significado alargou-se, passando a ser usada também em sentido figurado. Há mais a dizer sobre a palavra.
“Moita-carrasco” é uma palavra composta que inclui a palavra “carrasco”. Usa-se em frases como“O pai fazia-lhe perguntas e ele moita-carrasco”. Quer dizer que alguém não quer responder. Em vez de “moita-carrasco” pode dizer-se simplesmente “moita” - “O pai fazia-lhe perguntas e ele moita”.